terça-feira, 19 de abril de 2022

 

Os sinos dobram pelo general Newton Cruz | Por Luiz Holanda

General Newton Araújo de Oliveira e Cruz (Rio de Janeiro, 30 de outubro de 1924 — Rio de Janeiro, 15 de abril de 2022).
General Newton Araújo de Oliveira e Cruz (Rio de Janeiro, 30 de outubro de 1924 — Rio de Janeiro, 15 de abril de 2022).

Um dos mais importantes personagens do movimento militar de 1964, o general Newton Cruz, ex-chefe do Serviço Nacional de Informações entre 1977 e 1993, faleceu na última sexta-feira, aos 97 anos, de causas naturais. Ele estava internado no Hospital Central do Exército, em Benfica, na Zona Norte do Rio de Janeiro. O Comando Militar do Leste, ao confirmar o evento, divulgou uma nota afirmando que “Neste momento de consternação, os integrantes do CML solidarizam-se e rogam a Deus pelo conforto de familiares e amigos do General Newton Cruz”.

A vida do general foi bastante dinâmica e muita polêmica. Em 2014 foi apontado pela Comissão da Verdade como tendo cometido crimes durante o governo militar, acusado de envolvimento no atentado a bomba no Riocentro, no Rio de Janeiro, em 1981, quando militares planejaram explodir bombas no Centro de Convenções durante um show musical.

Uma das bombas explodiu antes da hora dentro de um carro, matando um sargento e ferindo um oficial. De nada adiantou culpar a esquerda pelo atentado, pois o crime terminou virou um escândalo para o governo do então presidente da República, general João Batista Figueiredo. O fato histórico é visto como um dos elementos que acelerou o fim do regime militar

Em 1983 o general viu-se envolvido no rumoroso caso da morte do jornalista Alexandre von Baumgarten, ex-diretor da extinta revista O Cruzeiro. O “Caso Baumgarten”, como ficou conhecido, teve início na madrugada do dia 13 de outubro de 1982, quando o jornalista e sua mulher, Jeannete Hansen, foram sequestrados, por volta das quatro horas da madrugada, no cais de embarque da praça XV de Novembro, no Rio, sendo obrigados a entrar num barco e levados para local ignorado. O corpo do jornalista apareceu semanas depois numa praia do Recreio dos Bandeirantes (RJ), com marcas de tiros, embora o laudo do Instituto Médico Legal tenha informado que a morte fora causada por afogamento.

Em janeiro de 1983, a revista Veja publicou um dossiê preparado pelo jornalista, no qual ele acusa o general de ser o principal interessado em sua morte. No dossiê, o jornalista revelava ter estado com Cruz para obter verbas para a revista, da qual era diretor. Em suas declarações consta a afirmação de que, “A esta altura já deve ter sido decidida minha eliminação. A minha dúvida é se foi pelo chefe da Agência Central do SNI (Newton Cruz) ou pelo titular (Otávio Medeiros)”, também general.

Em agosto de 1983, Cruz deixou a chefia da Agência Central do SNI para assumir o Comando Militar do Planalto (CMP) e a 11ª Região Militar. Durante sua gestão Brasília foi submetida a duas medidas de emergência, entre outubro e dezembro, quando o governo militarizou a capital federal sob o argumento de que era necessário dar segurança ao Congresso Nacional durante a votação da nova lei salarial. O fato se repetiu em abril de 1984, quando os congressistas votaram a emenda Dante de Oliveira, que propunha a realização de eleições diretas para presidente da República em novembro desse mesmo ano.

Diversos incidentes ocorreram durante o comando de Newton Cruz. No dia 24 de outubro de 1983, por determinação sua, a polícia do Distrito Federal interditou e invadiu a sede da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-DF), apreendendo algumas fitas e papéis a pretexto de que ali seria realizada uma manifestação contrária ao regime militar. Mais tarde, essa informação foi desmentida pelo próprio general.

Esses acontecimentos, principalmente a ordem de interdição da OAB, deixaram os militares insatisfeitos com o general. Os ministros do Exército, da Aeronáutica e da Marinha pediram ao presidente Figueiredo a substituição de Cruz. Em março de 1985, o ministro do Exército, general Leônidas Pires Gonçalves, entregou ao presidente José Sarney — vice-presidente em exercício e primeiro civil a exercer a chefia do Executivo federal desde abril de 1964 —, a lista votada pelo alto comando do Exército contendo o nome dos generais de divisão que poderiam ser nomeados generais-de-exército, entre eles Newton Cruz, que foi barrado por unanimidade. No mês mesmo Cruz pediu para ir para a reserva.

A verdade verdadeira jamais saberemos. Pode até ser que o general tenha deixado algum esclarecimento sobre o que aconteceu durante esse período. Entretanto, e independente de qualquer posição que se tome, foi um ser humano que morreu, e como dizia Hemingway, em citação tirada de um poema de John Donne, “A morte de qualquer homem me diminui, porque sou parte do gênero humano. E por isso não perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti”.

*Luiz Holanda, advogado e professor universitário.

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