Exploração política da carta não vai salvar o Brasil do tarifaço de Trump
Caio Junqueira
da CNN
O resultado até agora é favorável ao governo, que usa o episódio para sair das cordas e surfar nas redes sociais historicamente refratárias ao petismo
Os dados coletados nas redes sociais não deixam dúvidas de que o brasileiro reconhece a responsabilidade do bolsonarismo no tarifaço de Trump. E isso tem a ver com os fatos.
CHAVE DA CADEIA – O movimento liderou uma operação política nos Estados Unidos que, na prática, enxergou Trump como alguém com a chave da cadeia para impedir a entrada do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus aliados nela.
Nesse roteiro, porém, não dá para excluir a linha da política externa brasileira, que entrou nas provocações de Trump e ajudou a criar um péssimo ambiente com os Estados Unidos.
Por exemplo, ao declarar apoio a Kamala Harris, ao profetizar a desdolarização do mundo, ao incentivar um bloco claramente anti-americano e, principalmente, ao não ter construído nem ter se preocupado em construir pontes com Trump.
PÉSSIMO AMBIENTE – Passadas 48 horas, num péssimo ambiente, os dois campos políticos — petismo e bolsonarismo — fazem seus cálculos sobre o tarifaço muito mais de olho nos ganhos internos do que nos externos.
O resultado até agora é favorável ao governo, que usa o episódio para sair das cordas e surfar nas redes sociais historicamente refratárias ao petismo.
Isso pode ajudar a resolver o problema de Lula em 2026. Mas não vai resolver o problema do tarifaço.
Brasil empata com Canadá no sexto lugar na lista dos mais protecionistas
Houldine Nascimento e Gabriel Benevides
Poder360
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump (Partido Republicano), fez uma afirmação controversa e imprecisa em sua carta de quarta-feira ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT): “Essas tarifas são necessárias para corrigir os muitos anos de tarifas e barreiras tarifárias e não tarifárias do Brasil, que causaram esses deficits comerciais [sic] insustentáveis contra os Estados Unidos. Esse deficit [sic] é uma grande ameaça à nossa economia e, de fato, à nossa segurança nacional!”.
Ocorre que o Brasil é o deficitário no comércio bilateral com os Estados Unidos há mais de uma década. Isso significa que os norte-americanos mais vendem do que compram dos brasileiros.
PROTECIONISMO – A carta de Trump pode ter sido redigida sem o devido cuidado ao falar sobre o tema. Só que há outro fato a ser considerado: uma crítica histórica dos EUA sobre o grau que Washington entende ser elevado de protecionismo do Brasil sobre produtos norte-americanos.
O presidente norte-americano cita o USTR (“United States Trade Representative”, ou Representante de Comércio dos Estados Unidos) e diz que em breve terá um estudo detalhado sobre o caso brasileiro.
Em março de 2025, o USTR já havia publicado seu relatório anual afirmando que considera elevadas as barreiras comerciais (tarifárias ou não) em vários países. Junto com o Canadá, o Brasil é o sexto país mais citado no estudo.
LISTA DO PROTECIONISMO -Estão atrás de China (48 páginas no relatório), União Europeia (34 páginas), Índia (16 páginas), Japão (11 páginas) e México (7 páginas). O Brasil empata com o Canadá, com 6 páginas cada um. O USTR afirma que o Brasil cobrava em média 11,2% em 2023.
Desse valor, a divisão é a seguinte: 8,1% para produtos agrícolas; 11,7% para produtos não agrícolas. Para o USTR, as barreiras tarifárias ou não resultam num impacto estimado de US$ 8 bilhões por ano contra os EUA: etanol (os EUA deixariam de vender US$ 3 bilhões ao Brasil por ano por causa da tarifa de importação brasileira), bebidas alcoólicas (US$ 1,5 bilhão), produtos remanufaturados (US$ 2 bilhões) e barreiras alfandegárias (US$ 1,5 bilhão).
Em suma, o que Washington diz é que se houvesse uma equalização das tarifas desses produtos (o Brasil taxasse com percentuais iguais aos dos EUA), os norte-americanos conseguiriam vender mais US$ 8 bilhões por ano para o mercado brasileiro.
DADOS CONCRETOS – O Poder360 fez uma pesquisa de 9 produtos e lista a seguir a tarifa cobrada sobre as importações desses itens quando entram nos EUA ou no Brasil.
Percebe-se que, para a maioria das categorias, a cobrança brasileira é maior. Muitas das taxas dos Estados Unidos são zeradas, como smartphones e perfumes em geral.
O iPhone está colocado na lista acima porque, embora seja de uma empresa dos EUA, a Apple, o produto é em sua maioria fabricado na China. Ou seja, tanto Brasil como EUA importam iPhones. Só que no mercado norte-americano esse celular entra com zero de taxa de importação.
TABELA TARIFÁRIA – O Poder360 levantou os dados dos Estados Unidos na plataforma da Organização Mundial do Comércio. Foram considerados os códigos da Tabela Tarifária Harmonizada (Harmonized Tariff Schedule, em inglês).
Os produtos têm variações específicas, que podem afetar a taxa cobrada em determinados casos. Os dados do Brasil foram enviados à reportagem pelo Mdic (Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços). Considera a Tarifa Externa Comum do Mercosul, um sistema de taxas de importação padronizadas para todos os países membros do bloco econômico.
No caso de ambos os países, especificidades dos produtos podem mudar a taxa, como peso de cada um ou a presença de alguma substância em específico. O levantamento apresentado nesta reportagem, entretanto, apresenta um panorama geral que ilustra a realidade da maioria dos itens no comércio exterior com os EUA.
ALÉM DAS TARIFAS -O relatório do USTR sinaliza que o protecionismo do Brasil ante os Estados Unidos não se limita à cobrança de taxas maiores. Um dos pontos é o licenciamento não automático de importações.
O texto diz que as exigências de autorização de ministérios e agências para algumas importações muitas vezes vêm com falta de transparência ou justificativas para a recusa. Os setores mais impactados seriam calçados, vestuário e automóveis.
“A falta de transparência em torno ou justificativas para a recusa. Os setores mais impactados seriam calçados, vestuário e automóveis. “A falta de transparência em torno desses procedimentos é um obstáculo às exportações dos Estados Unidos”, afirma o estudo.
MAIS CRÍTICAS -Outros pontos são levantados. Leia um resumo dos argumentos dos EUA: discriminação fiscal via IPI – produtos nacionais como a cachaça pagam IPI menor do que bebidas alcoólicas importadas, o que configuraria tratamento desigual; restrições à importação de produtos usados e remanufaturados – proibição ampla para bens como roupas, carros e equipamentos médicos, mesmo quando não há produção nacional.
Além disso, há exclusão de produtores estrangeiros no RenovaBio – só empresas brasileiras podem gerar créditos de carbono, limitando a competitividade de biocombustíveis dos EUA; cotas e tributos sobre conteúdo audiovisual estrangeiro – leis exigem que parte da programação na TV por assinatura seja nacional e aplicam impostos mais altos a filmes e publicidade estrangeiros.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Excelente reportagem do Poder360. Mostra a realidade do protecionismo brasileiro, que é um assunto meio tabu, raramente abordado pela imprensa nacional. (C.N.)
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