Denúncia do Brasil à OMC serve de munição de festim e não preocupa Trump

Trump está pouco ligando para as críticas feitas na OMC
Josias de Souza
do UOL
A crítica feita pelo Brasil contra a sanção de Trump na OMC tem a mesma relevância de um cartucho de festim num filme de bangue-bangue. É munição cenográfica. Tem relevância meramente simbólica. Do ponto de vista prático, não fere o adversário.
Na hipótese de formalizar a abertura de uma controvérsia com os Estados Unidos na Organização Mundial do Comércio, o Brasil estará condenado à vitória. As violações são flagrantes. O vocábulo “condenado” se aplica ao caso porque, paradoxalmente, o triunfo teria efeito nulo.
SEGUNDA INSTÂNCIA – Pelas regras da OMC, um país derrotado numa disputa comercial pode recorrer ao órgão de apelação, uma segunda instância da entidade. O diabo é que Trump se recusa, desde o primeiro mandato, a indicar representantes para esse órgão. Com a composição incompleta, a instância de apelação não tem como encerrar as pendências.
De resto, uma eventual derrota dos Estados Unidos na OMC não teria caráter vinculante. Significa dizer que Trump só daria o braço a torcer se quisesse. A vitória do Brasil teria efeito meramente político. Funcionaria como uma espécie de salvo-conduto para retaliar Trump sem culpa, enrolado na bandeira do multilateralismo.
Bolsonaro, Moraes e os limites da vigilância digital: entre o direito e a suspeita

Charge do Jônatas(hpoliticadinamica.com)
Pedro do Coutto
O mais recente episódio envolvendo Jair Bolsonaro e a exigência do ministro Alexandre de Moraes por explicações sobre supostas entrevistas concedidas pelo ex-presidente enquanto cumpre as medidas cautelares que o proíbem de utilizar redes sociais, direta ou indiretamente, evidencia um ponto nevrálgico do nosso tempo: os limites entre controle judicial, liberdade de expressão e a fluidez do ambiente digital.
A decisão de Moraes de solicitar esclarecimentos teve como base conteúdos veiculados na internet, atribuídos a Bolsonaro, que poderiam sugerir uma violação das condições impostas recentemente. No entanto, ao optar por não confirmar a autoria das declarações — posição que, a princípio, pareceu evasiva — o ex-presidente lançou luz sobre um dilema contemporâneo: como responsabilizar alguém por manifestações publicadas online, quando há tantas formas de manipulação digital, de montagens a republicações de falas antigas?
MOBILIZAÇÃO – Esse contexto, ainda mais sensível pela figura política envolvida, mobilizou os bastidores do Supremo Tribunal Federal. De acordo com reportagem publicada pelo jornalista Valdo Cruz no portal G1, ministros da Corte passaram a defender uma abordagem mais prudente, entendendo que as medidas necessárias já foram tomadas e que não há motivo, neste momento, para novas sanções. A avaliação predominante no STF é que seria precipitado endurecer o regime de prisão com base em indícios frágeis e difíceis de comprovar.
Os ministros temem que novas determinações mais rígidas possam ser interpretadas como perseguição política, alimentando narrativas de vitimização e colocando em xeque a imparcialidade da Corte. Para além do conteúdo das falas, pesa o impacto institucional e simbólico de cada passo.
Vale lembrar que Bolsonaro não é, neste caso, uma vítima do acaso. Encontra-se nessa situação por seu envolvimento em atos graves, investigado por fomentar uma tentativa de golpe de Estado e — conforme revelações recentes — por integrar ou liderar planos que envolveriam até atentados contra adversários políticos, como Lula, Alckmin e o próprio Moraes. O rigor da lei, nesse sentido, se justifica. Mas é justamente esse rigor que exige cautela: para ser legítimom não se pode confundir com arbitrariedade.
DISTORÇÃO – No ambiente virtual, onde conteúdos são replicados e manipulados com facilidade, até mesmo a intenção original de uma fala pode ser distorcida. Há também o risco real de terceiros publicarem conteúdos em nome de alguém, sem seu consentimento, ou mesmo com a finalidade de gerar uma punição judicial. Nessas circunstâncias, o ônus da prova se torna ainda mais complexo.
Ao não confirmar a veracidade das falas atribuídas a ele, Bolsonaro adotou uma estratégia jurídica defensiva — que, nesse momento, se mostrou eficaz. Evitou-se um desfecho mais grave e, conforme indica o G1, o STF dá sinais de que pretende tratar o caso com equilíbrio, reconhecendo os limites de sua própria atuação diante das ambiguidades do ambiente digital.
CONTROLE – A questão permanece aberta: como controlar as fronteiras da legalidade num mundo hiperconectado, onde os fatos podem ser tão rapidamente manipulados quanto disseminados? A resposta, talvez, esteja menos na repressão imediata e mais na construção de critérios claros, imparciais e tecnicamente consistentes.
No Brasil atual, cada passo dado no campo jurídico é observado com lupa pela sociedade — e cada excesso pode custar caro à credibilidade das instituições. Neste episódio, o bom senso parece ter prevalecido. Mas ele também deixa uma advertência: a linha entre justiça e injustiça pode ser tão tênue quanto uma postagem fora de contexto nas redes sociais.
Decisões de Moraes sobre Bolsonaro são censura prévia, apontam juristas

Charge do Fortuna (Pasquim)
Hugo Henud
Estadão
A decisão do ministro Alexandre de Moraes que proibiu Jair Bolsonaro de usar redes sociais, direta ou indiretamente, e autorizou sua prisão caso entrevistas concedidas por ele sejam divulgadas por terceiros nas plataformas digitais reacendeu o debate sobre os limites da liberdade de expressão e levantou questionamentos sobre possível cerceamento da atividade jornalística. Para a maioria dos especialistas ouvidos pelo Estadão, há risco de configuração de censura prévia.
Nesta segunda-feira, 21, Moraes determinou que a defesa do ex-presidente preste esclarecimentos sobre declarações feitas a jornalistas na saída de uma reunião com aliados na Câmara dos Deputados. Diante da imprensa, Bolsonaro exibiu a tornozeleira eletrônica imposta por decisão anterior do Supremo e afirmou: “É uma máxima humilhação”. As imagens foram registradas por veículos de comunicação e veiculadas nas redes sociais.
AMPLIAÇÃO ILEGAL – Criminalistas ouvidos pelo Estadão reconhecem respaldo jurídico para a imposição da cautelar que restringe o uso de redes sociais por investigados. O ponto de divergência, porém, está na nova ordem emitida por Moraes, que ampliou o escopo da medida anterior e passou a incluir qualquer “transmissão, retransmissão ou veiculação de vídeos, áudios ou transcrições de entrevistas em redes sociais de terceiros”. Para o ministro, a conduta de Bolsonaro neste episódio violaria essa determinação.
É justamente essa ampliação que especialistas consideram vaga e baseada em uma interpretação extensiva da medida original. Eles alertam que a nova formulação abre margem para excessos, como censura prévia, restrição desproporcional ao investigado e cerceamento da atividade jornalística.
A medida contestada decorre de decisão anterior, de 18 de julho, quando Moraes já havia imposto uma série de restrições a Bolsonaro, como o uso de tornozeleira eletrônica, toque de recolher e proibição de contato com outros investigados, além da vedação ao uso de redes sociais.
MAIS UM EXCESSO – A nova ordem amplia essa vedação ao conteúdo veiculado por terceiros, mesmo que o ex-presidente não tenha controle direto sobre sua publicação.
Para o professor de Direito Constitucional do Insper e pesquisador da USP, Luiz Gomes Esteves, a cautelar foi redigida de forma excessivamente genérica e gera insegurança jurídica. “É como se o Moraes pudesse prender ele a qualquer momento”, afirma. O professor critica ainda o fato de a ampliação da medida não ter sido submetida à Primeira Turma do STF, onde tramita a petição original. “Se o texto continuar como está, temos censura prévia.”
Essa zona de incerteza também é apontada por Marcelo Crespo, coordenador do curso de Direito da ESPM-SP. Ele avalia que a decisão amplia demais o alcance da vedação e pode ferir garantias constitucionais.
“A medida ficou sem detalhamento de como seria essa situação de utilização de redes por terceiros”, diz. “Isso compromete a previsibilidade jurídica e pode gerar um efeito inibidor sobre a imprensa e sobre o próprio direito de manifestação do investigado.”
MUITAS DÚVIDAS – O advogado constitucionalista André Marsiglia também vê excessos na decisão. Ele levanta dúvidas sobre seus limites: “Se as declarações forem publicadas fora das redes, mas depois replicadas em plataformas digitais, há risco de prisão? Além da censura prévia, Moraes inventa a censura retroativa e a censura seletiva, apenas sobre redes sociais”, completa.
Já o criminalista e ex-presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), Renato Vieira, aponta outra fragilidade: a ampliação da cautelar ocorreu sem provocação da Procuradoria-Geral da República, órgão que detém a atribuição legal para requerer esse tipo de medida.
“A decisão foi tomada sem manifestação prévia da PGR. O correto seria aguardar uma provocação formal antes de autorizar algo tão extremo quanto a prisão preventiva.”
###
NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Em tradução simultânea, já passou da hora de Moraes voltar a ser apenas mais um dos ministros do Supremo, sem esses estrelismos e rompantes de egolatria. (C.N.)
Entidade americana reforça o pedido de sanções aos ministros do Supremo

Disputa entre Xandão e Trump não pode acabar bem
Hugo Henud
Estadão
Uma entidade americana sediada na Flórida, a Legal Help 4 You LLC, pediu à Justiça americana que envie ao Departamento de Estado os autos do processo que contesta decisões do ministro Alexandre de Moraes, para que o governo dos EUA considere a aplicação de sanções contra o magistrado e outros ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) por supostas violações de direitos humanos. O pedido não cita quais ministros, além de Moraes, seriam alvo.
O novo pedido foi apresentado dentro da ação das empresas Trump Media, ligada ao presidente dos Estados Unidos Donald Trump, e Rumble que tramita desde fevereiro deste ano no tribunal federal da Flórida, movida pelas duas empresas contra ordens de Moraes. A Help 4 You LLC atua como ‘amicus curiae’, um terceiro interessado no processo.
LEI MAGNITSKY – Na nova petição, protocolada nesta terça-feira, 22, a companhia fundamenta o pedido na Lei Global Magnitsky, legislação que permite punir estrangeiros acusados de corrupção ou violações graves de direitos humanos.
A solicitação se apoia em trecho da lei que autoriza indivíduos ou entidades a apresentar denúncias ao Departamento de Estado, diretamente ou por meio de processos judiciais em andamento. A entidade lista três tipos de sanções possíveis: proibição de vistos, congelamento de bens e restrições diplomáticas.
Segundo a entidade, as ordens de Moraes para bloquear perfis em redes sociais, como o do comentarista Rodrigo Constantino, violam garantias constitucionais e configuram abusos que justificariam medidas como o congelamento de bens e a suspensão de vistos. A entidade afirma que as ações do ministro são “arbitrárias, ilegais e ofensivas à consciência moral”.
“Os autores respeitosamente solicitam que o tribunal (…) encaminhe as evidências ao Departamento de Estado dos EUA para consideração de possíveis sanções contra Alexandre de Moraes e outros membros do STF”, diz o documento.
TENSÃO DIPLOMÁTICA – O movimento ocorre em meio à escalada da tensão diplomática entre os dois países. Na última sexta-feira, 18, horas após Moraes impor tornozeleira eletrônica e novas medidas cautelares contra o ex-presidente Jair Bolsonaro, o governo dos EUA revogou os vistos de ministros do STF e de seus familiares, alegando perseguição política e censura a cidadãos americanos. A decisão foi anunciada por Marco Rubio, atual secretário de Estado.
A Lei Global Magnitsky já foi usada pelos Estados Unidos para sancionar autoridades de diversos países, mas nunca havia sido acionada nesse tipo de disputa com o Brasil.
Nos pedidos anteriores, os advogados da Trump Media e da Rumble já haviam solicitado que a Justiça dos EUA declarasse as ordens de Moraes “inexequíveis” e bloqueasse qualquer tentativa de cooperação entre autoridades americanas e brasileiras para executá-la.
Nenhum comentário:
Postar um comentário