Juristas discutem se Moraes está ultrapassando seus limites ao se tornar o “xerife” do Brasil
Flávio Ferreira
Folha
O caminho adotado pelo presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), Alexandre de Moraes, para anular a instauração de inquéritos pela Polícia Federal e pelo Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) sobre a atuação de institutos de pesquisas, divide especialistas ouvidos pela Folha.
Há divergência sobre se a medida de Moraes está conforme as atribuições de um presidente do TSE ou se ele extrapolou o seu limite de atuação. A determinação do ministro não teve origem em um pedido do Ministério Público ou de outros interessados, como é a regra geral no sistema da Justiça. Esse tipo de conduta do Judiciário, que não depende de uma provocação externa, é chamada de “atuação de ofício”.
PODER DE POLÍCIA – Para justificar a anulação da abertura de investigações pela PF e pelo Cade, órgãos de outro Poder, o Executivo, Moraes invocou o poder de polícia atribuído pela lei à Justiça Eleitoral. De acordo com o despacho de Moraes, o objetivo foi “fazer cessar as indevidas determinações realizadas por órgãos incompetentes e com indicativos de abuso de poder político e desvio de finalidade”.
O presidente Jair Bolsonaro (PL) criticou nesta sexta (14) a decisão de Moraes. “Começaram aí o Cade e a PF a investigar institutos de pesquisa. O que ele fez? Não pode investigar. Ou seja, institutos vão continuar mentindo, e nessas mentiras quantos votos não arrastam para o outro lado? Geralmente, vota em quem tá ganhando, 3 milhões, 4 milhões de votos”, disse ele em entrevista ao podcast Paparazzo Rubro-Negro.
Para o ex-procurador regional eleitoral em São Paulo Pedro Barbosa, “está tudo fora do normal”, uma vez que são atípicas tanto as medidas da PF e do Cade como a decisão de Moraes.
É QUESTÃO ELEITORAL? – Barbosa, porém, afirma não ver ilegalidade na conduta do ministro. Segundo o especialista em direito eleitoral, o presidente do TSE pode atuar para preservar a competência da Justiça Eleitoral nos casos relativos a pesquisas.
“É uma matéria eleitoral muito clara, há toda uma regulamentação de pesquisas dada pela lei 9.504 [a chamada Lei das Eleições], inclusive a previsão de crimes, como pesquisa fraudulenta. Então há competência da Justiça Eleitoral. Mas a ação do presidente do TSE realmente é uma novidade”, diz.
O ex-procurador eleitoral alerta que “o protagonismo da Justiça não é normal e não é bem-vindo”, mas diz que, “ante os exageros dos órgãos do governo e o momento crucial da campanha eleitoral, o ministro teve de atuar para coibir os abusos contra a legislação eleitoral”.
FORA DO PADRÃO – Ana Carolina Clève, presidente do Instituto Paranaense de Direito Eleitoral (Iprade), também vê a conduta de Moraes como fora do padrão, mas não ilegal.
“Em regra, o Judiciário age mediante provocação, sendo atípica a atuação de ofício. Mas diante dessas estratégias nada usuais [dos órgãos federais], o Judiciário precisa encontrar mecanismos de controle. É isso que acaba por legitimar essa atuação do Moraes”, diz.
Para Clève, “o Direito está sendo colocado à prova”. “Há diversas estratégias jurídicas sui generis sendo usadas para finalidades evidentemente políticas. E, do outro lado, acaba havendo certa criatividade nos mecanismos de controle para que se tenha um ‘freio de arrumação’ no conflituoso contexto”.
OUTRA OPINIÃO – Já a advogada especialista em direito penal eleitoral Maria Jamile José entende que o poder de polícia eleitoral não deve interferir em medidas como as adotadas pela Polícia Federal e pelo Cade quanto aos institutos de pesquisa. “É de se questionar a atuação de ofício, pois o poder de polícia que o Tribunal Superior Eleitoral tem em relação aos institutos de pesquisa não se estende aos outros órgãos”, afirma.
A advogada também aponta que o tribunal eleitoral não deveria tratar de temas de outros órgãos do Executivo.
“E mesmo nesse caso é de se questionar sua competência, porque, a priori, o TSE não é instância revisora do Cade nem do Ministério da Justiça [ao qual a PF está vinculada]”, completa.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Em tradução simultânea, vamos colocar ordem na bagunça. A decisão de Moraes não é “ilegal”, porque não existe lei proibindo presidente do TSE de fazer isso ou aquilo. Bem, não é decisão ilegal, mas atípica, antiética e amoral. Já faz tempo que Moraes, com a cumplicidade dos ministros do STF, passou a agir com “xerife” em faroeste caboclo, sem obedecer aos limites da magistratura, prendendo, multando e acontecendo, sempre com base em interpretações jurídicas mais do que questionáveis. Dá até para imaginar Moraes lendo jornal no gabinete e exclamando: “Vou intervir aqui!”, “Vou intervir ali!”, “Vou intervir acolá”, como se tudo fosse atribuição sua. Sem a menor dúvida, ele se comporta igual a um Bolsonaro jurídico, agindo acima da lei e da ordem. Até quando? Ninguém sabe, porque o país virou uma incógnita. Se perguntarem ao Datafolha o que é o Brasil, o instituto responderá que é 14% disto, 21% disso, 12% daquilo, e o resto se divide em brancos, nulos, abstenções e não sei… (C.N)
Charge do Duke (domtotal.com)
No debate de dois perdidos numa política suja, Lula abriu a guarda e foi destroçado
Carlos Newton
O debate na Band/Cultura é sempre melhor do que o da Globo, porque o objetivo é exibir aos eleitores os dois candidatos, iniciando o programa às 20 horas. É o contrário da Globo, que fez questão de iniciar seu primeiro debate às 22h30, como se todos os brasileiros fossem desocupados, que pudessem ficar acordados até de madrugada para assistir a discussões marcadas pela falta de ideias e pelo despreparo intelectual, a começar pelo português incongruente praticado pelos candidatos.
Depois das críticas recebidas no primeiro turno, a Globo relutou muito até aceitar uma antecipação para as 21h30m no debate do dia 28. Ou seja, a emissora continua julgando que sua programação é mais importante do que os planos de governo dos candidatos, vejam até onde vai a pretensão da chamada Vênus Platinada.
A FAVOR OU CONTRA – Sabe-se que a grande mídia apoia Lula por motivos financeiros, em represália ao fato de o presidente Jair Bolsonaro ter reduzido drasticamente as verbas publicitárias. Mas o debate mano a mano é à prova de manipulação. Pode-se até escalar jornalistas para fazer perguntas capciosas, mas nem isso funciona, porque os candidatos têm liberdade total para apresentar suas razões.
E o debate da Band rolou solto. No primeiro bloco, de embate de perguntas e respostas entre os dois, delineou-se que o grande perdedor seria o povo brasileiro, no embate do “menos ruim” com o “menos pior”.
O primeiro a falar foi Bolsonaro, que se manteve no púlpito. Já embriagado pela vitória, Lula resolveu demonstrar autoconfiança e saiu de sua tribuna, caminhando confiante pelo palco, para brincar de conversar com a câmara. Foi o maior erro que já cometeu na vida.
BRIGANDO NA RINHA – O debate então começou a se tornar uma briga de galos na rinha, com ataques e bicadas para valer, eram dois candidatos perdidos numa eleição suja, como diria o genial dramaturgo Plínio Marcos.
Com os dois passeando pelo palco, os temas foram transcorrendo, tipo pandemia, educação, ladroagem, PIB sobe e desce, bla-bla-blá. Com os dois adotando a técnica de Paulo Maluf (se alguém pergunta alguma coisa, ele responde com outro assunto que lhe seja mais favorável), o programa foi transcorrendo na disputa de quem é o mais ladrão e incompetente. E Lula parecia estar se saindo um pouco melhor do que Bolsonaro.
Veio o segundo bloco. Entrou o assunto do Supremo, puxando pela jornalista Vera Magalhães (TV Cultura); depois, aumento de combustíveis, em pergunta de Rodolfo Schneider (Band). Em seguida, Patricia Campos Melo (Folha) fez uma pergunta ridícula, pedindo “sim ou não” como resposta, Lula e Bolsonaro então usaram a técnica de Maluf, e bla-bla-blá… Depois Josias de Souza (UOL) puxou novamente o tema da corrupção, citando o mensalão de Lula e o orçamento secreto de Bolsonaro.
JOGO AINDA EMPATADO – O segundo bloco terminou com persistência do empate, mas Bolsonaro já começava a se mostrar mais confiante. Cada um podia falar por 15 minutos. Ao Bolsonaro abordar o petrolão, Lula cometeu um gravíssimo erro, ao tentar encerrar o assunto dizendo: “Prenderam o ladrão, está resolvido”, sem lembrar que o tal ladrão era ele mesmo.
Bolsonaro sorriu e descobriu o caminho, passando a gozar Lula, aproximando-se dele e até tentando colocar a mão no ombro do adversário. Lula caiu na armadilha, perdeu completamente a linha de raciocínio, falava sem parar, como uma metralhadora, emendando um assunto no outro e consumindo seu precioso tempo, com Bolsonaro sorrindo e ironizando, para igualar Lula aos amigos em Cuba, Nicarágua, Argentina, Venezuela etc e tal.
Quando Lula parava, Bolsonaro o desmentia, fazia uma pequena observação e devolvia a palavra, economizando seu tempo. Lula não percebeu a arapuca e continuou a falar descontroladamente, enquanto Bolsonaro roubava a cena, sorrindo por atrás dele, para ser focalizado pela câmara.
LULA DESCONTROLADO – Cada vez mais enrolado, Lula continuou consumindo o tempo, citando uma coleção enorme de números e dados estatísticos, que ninguém entendia. Nervoso, abriu o paletó, exibindo a farta barriga e se descompôs. E Bolsonaro confiante, sempre sorrindo, fazia uma rápida provocação a Lula e devolvia a palavra ao boquirroto, como se dizia antigamente.
A cena se repetiu até que o tempo acabou, o microfone de Lula foi cortado e Bolsonaro ficou sozinho em cena, com cerca de 5 minutos de folga, para atacar o adversário e defender o governo atual.
Acuado, Lula se refugiou no púlpito que desprezara no início do debate e ficou assistindo Bolsonaro demoli-lo de uma forma implacável. Foi uma cena chocante, que levou os petistas ao desespero.
ÚLTIMAS FALAS – No final, um minuto e meio para as considerações finais, Bolsonaro falou com firmeza, expôs planos e terminou ridicularizando Lula, dizendo que não iria deixar que ele voltasse ao local do crime.
Ainda descontrolado, Lula fez um pronunciamento pífio e terminou convidando os pobres para fazer um churrasco e tomar cerveja. Foi ridículo.
Em tradução simultânea, na política ninguém deve ganhar antes da hora. Se Lula, arrogantemente, não tivesse saído do púlpito e chamado Bolsonaro para a briga no palco, não teria levado essa surra colossal, que pode lhe roubar a volta ao poder.
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P.S. – Como diz o velho ditado, a política é uma caixinha de surpresas. Dia 28, no debate da Globo, será a decisão final nesta guerra santa, tipo “O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro”. Na véspera, Lula estará completando 77 anos. Pode ser que já tenha saído de seu inferno astral. Ou não, como diz seu fã Caetano Veloso, que ia votar em Ciro Gomes, mas depois voltou atrás. (C.N.)
Desde o início, a intenção do TSE é proibir qualquer notícia que possa prejudicar Lula
J.R. Guzzo
Estadão
O cidadão brasileiro precisaria ter passado os últimos tempos vivendo fora do sistema solar para não se ver soterrado, 24 horas por dia, pela neurose em modo extremo do Supremo Tribunal Federal no seu combate de vida e morte contra as fake news. O fenômeno foi apresentado como o mais importante para a humanidade em geral desde a separação dos continentes – algo tão imenso que o STF abandonou o idioma oficial do Brasil em troca do inglês para falar do assunto, embora existam no português as palavras “notícia” e “falsa”, perfeitamente adequadas para descrever uma fake news.
Desde o primeiro minuto, o conceito de que a autoridade pública estaria autorizada a definir quais são as notícias falsas, e quais são as verdadeiras, e a partir daí proibir ou permitir a sua publicação, tem funcionado como uma das aberrações mais malignas que já se inventaram contra a Constituição Federal e contra a liberdade.
NOTÍCIAS REAIS – Agora ficou pior. Comprova-se que nunca houve a intenção honesta de limitar a circulação de informação falsa nenhuma. A questão, desde o começo, foi proibir a divulgação de notícias verdadeiras – ou, mais exatamente, as notícias que Lula e o PT não querem que ninguém publique.
O ministro Alexandre de Moraes considera que o País enfrenta ‘segunda geração’ de fake news nas eleições deste ano.
É o que diz em despacho oficial o TSE, repartição pública que obedece ao Supremo, manda nas eleições e não existe em nenhuma democracia séria do mundo. O diário Gazeta do Povo, mais uma vez, e a produtora Brasil Paralelo, foram proibidos de divulgar notícias sobre o longo caso de amor político entre Lula e o ditador da Nicarágua, Daniel Ortega, ou os pontos de contato entre o ex-presidente e a corrupção. Por quê?
TUDO COMPROVADO – O idílio de Lula com Ortega está provado em fotos, vídeos, declarações gravadas e até em notas oficiais do PT. E no caso da corrupção: quer dizer que não houve ligação pública entre Lula e a ladroagem? E a Lava Jato? E as confissões dos corruptos? E a devolução de dinheiro roubado? E as suas condenações na Justiça brasileira pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro?
Bem, tudo isso é verdade, diz o TSE. Mas não pode ser publicado porque é “desordem informacional”.
Que diabo seria isso – “desordem informacional”? É uma invenção que não existe, e nunca existiu, em nenhuma doutrina jurídica do mundo. Segundo o ministro Alexandre de Moraes, trata-se de mais uma ameaça mortal para a democracia – “informações verdadeiras com conclusão falsa”, diz ele, e isso aí também precisa ser censurado. É uma barbaridade. Como o ministro e seus colegas dão a si próprios o direito de decretar que essa ou aquela conclusão é “falsa”? Que lei em vigor no Brasil lhes permite definir o que é a verdade? Desordem é isso.
Apoios de políticos e artistas famosos não serão decisivos na eleição para presidente
Silvio Cascione
Estadão
Neste início de segundo turno entre Lula e Bolsonaro, os dois lados receberam o apoio de governadores, ex-candidatos e outras lideranças políticas, com farta cobertura de imprensa. Os casos que mais chamaram a atenção foram o apoio do governador de Minas Gerais, Romeu Zema, ao lado de Bolsonaro, e o da senadora e candidata à Presidência Simone Tebet, ao lado de Lula.
Muito se falou da importância dessas declarações de voto, mas o fato é que elas dificilmente serão decisivos.
PERFIS CONHECIDOS – O mais importante tem a ver com o perfil dos dois candidatos, que já são plenamente conhecidos do eleitorado. Não só isso: a grande maioria dos brasileiros já formou opiniões fortes (a favor ou contra) os dois candidatos à Presidência, ao longo de muitos anos de exposição a essas figuras.
Essa não é uma situação comum. Em anos passados, normalmente havia pelo menos um postulante (Geraldo Alckmin, Dilma Rousseff, Marina Silva, Fernando Haddad, o próprio Bolsonaro em 2018) que ainda estava se apresentando ao público, e por isso dependia mais de “padrinhos”.
Haddad não teria ido ao segundo turno sem os votos de Lula, e Bolsonaro teria mais dificuldades com parte do público sem vincular sua campanha à agenda liberal de Paulo Guedes.
UM RECURSO COMUM – Muitos candidatos a governador, senador ou deputado usaram o mesmo recurso nas eleições deste ano. Tarcísio de Freitas, em São Paulo, e Jerônimo Rodrigues, na Bahia, são apenas dois dos exemplos mais claros de como o apoio de figuras conhecidas (Bolsonaro e Lula, respectivamente) pode favorecer duas pessoas que nunca disputaram uma eleição.
Tarcísio e Jerônimo são favoritos à vitória, superando máquinas políticas fortes em seus estados.
Bolsonaro e Lula são diferentes. Quando Zema apoia Bolsonaro, ou quando Simone apoia Lula, eles atuam mais para reforçar mensagens que já eram conhecidas do eleitor em geral (o antipetismo de Bolsonaro, e o antibolsonarismo de Lula) do que para trazer algum elemento relevante para a decisão do eleitor.
MUITOS EXEMPLOS – É bom frisar, inclusive, que os eleitores já demonstraram no passado, em inúmeras ocasiões, que separam bem as eleições nacionais e locais. Eleitores podem muito bem ter votado pela continuidade de um governo estadual relativamente bem avaliado sem que isso represente qualquer compromisso com a reeleição de Bolsonaro.
Já foi assim muitas vezes no passado, quando Lula e Dilma Rousseff venceram para presidente em Minas Gerais, junto com tucanos no governo local.
Esse debate sobre os apoios, portanto, pode ser traiçoeiro para as campanhas se tirar o foco do que realmente importa: o conteúdo. Os eleitores estão de olho naquilo que importa para eles, e nesta eleição o principal assunto continua a ser a economia. Lula continua em vantagem, pois os eleitores indecisos ou menos engajados com a política, em sua maioria, ainda se ressentem da piora nas condições de vida nos últimos anos. Mas o jogo continua aberto.
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