segunda-feira, 22 de agosto de 2022

 

No TSE, Moraes fez o pior discurso possível – falou ao público como um delegado de polícia

Moraes defende democracia e sistema eleitoral em discurso de posse — Portal  Política Distrital - Notícias sobre Política e Saúde do DF

Num momento festivo, Moraes fez um discurso rancoroso

J.R. Guzzo
Estadão

É difícil achar neste país alguém que possa falar do “Tribunal Superior Eleitoral” com mais autoridade do que o ex-ministro Marco Aurélio Mello. É natural, levando-se em conta que ele passou 31 anos dentro do STF, a casa-matriz desse TSE do qual se fala sem parar nos dias de hoje, e sabe mais ou menos tudo a respeito de um e de outro.

Mais difícil ainda seria encontrar uma definição tão admirável como a que ele deu para a cerimônia de posse do seu ex-colega Alexandre de Moraes na presidência desse Frankenstein burocrático que governa as eleições brasileiras. “Funesto acontecimento”, resumiu ele.

UMA CALAMIDADE – Foi, de fato, uma dessas calamidades que só as nossas atuais Cortes Superiores conseguem produzir. A maior contribuição que Moraes poderia dar às eleições seria não abrir a boca sobre o assunto.

Mas, uma vez que resolveu fazer discurso, fez o pior discurso possível – falou ao público como um delegado de polícia.

Prometeu reprimir, punir e proibir; em vez de celebrar o voto livre e os direitos políticos do cidadão, fez ameaças. Anunciou que vai ser “implacável”. No momento em que a autoridade eleitoral mais deveria tranquilizar as pessoas, garantir a liberdade de manifestação e mostrar-se imparcial, ele soltou um grito de guerra.

ALVO PREFERENCIAL – O ministro deixou claro em seu discurso de posse, mais uma vez, que o importante para ele, para o STF e para o consórcio esquerdoso que o transformou em herói das “lutas” contra o governo, não são as eleições populares – são as urnas eletrônicas do TSE.

Moraes também não deixou nenhuma dúvida sobre contra quem, na vida real, ele promete ser “implacável” durante a campanha – o presidente e candidato à reeleição. Há toda uma encenação para fingir que não é assim; mas até uma criança com dez anos de idade sabe que é exatamente assim.

Moraes, no que se tornou uma ideia fixa no Supremo e nas forças que querem derrotar o governo, louvou o sistema eleitoral brasileiro como a maior contribuição já feita à humanidade desde a descoberta da penicilina. É uma piada.

BUTÃO E BANGLADESH – Só dois países, Butão e Bangladesh, usam as mesmas urnas eletrônicas de primeira geração iguais às do Brasil; como alguém pode se orgulhar de uma coisa que só é utilizada no Butão e em Bangladesh? Não tem nada a ver com democracia. Tem tudo a ver com a lógica. Mas o ministro promete ser “implacável” com quem disser isso.

O discurso de Moraes é uma explosão de rancor contra a ideia geral da liberdade; tudo o que lhe ocorre dizer a respeito do assunto é que a liberdade é algo que deve ser controlado, limitado e punido, quando o STF não aprovar o uso que for feito dela.

“Funesto acontecimento”, como diz o ex-ministro Marco Aurélio.

Por que Bolsonaro causa tanta balbúrdia eleitoral ao demonizar as urnas eletrônicas?

Voto eletrônico no país do cabresto - Blog do Ari Cunha

Charge do Dum (Arquivo Google)

Marcus André Melo
Folha

A balbúrdia em torno da urna eletrônica é puro Bolsonaro. Parafraseando Hofstader, no clássico “The Paranoid Style in American Politics”, de 1964, é exemplo do estilo paranoico. As eleições acabaram sendo uma das poucas questões em que ainda se pode fazer alarido. (O autoritarismo do STF é outra). Pode-se fingir que não é governo, é vítima.

A denúncia sobre uma conspiração no dia das eleições é consistente com um espírito antissistema, que tem se mostrado crucial para o sucesso eleitoral na nova onda populista global. Eis o Leitmotiv principal da investida denuncista.

NÚCLEO DURO – A balbúrdia poderia servir para mobilizar o núcleo duro de apoiadores; flexionar músculos visando eventuais retaliações futuras; e, não menos importante, monopolizar a agenda pública em torno do assunto. Mas há custos —não desprezíveis— que não foram antecipados. O saldo líquido é negativo.

Além do mais, a balbúrdia como estratégia é crescentemente não crível. Bolsonaro normalizou-se: a aliança com o centrão foi o núcleo vertebrador da transformação. Tudo o mais é consequência. A cacofonia é típica de outsiders que permaneceram por longo tempo periféricos em relação ao establishment que os excluía.

Mas permanece como um elemento fora de lugar quando proferida por quem ocupa o poder, e que se metamorfoseou naquilo que criticava.

AGENDAS EXÓTICAS – A guerra cultural e a campanha permanente em torno de agendas exóticas (como o anti-globalismo) perderam espaço. Temas comportamentais idem.

Seus protagonistas —Weintraub, Salles, Araújo, Damares— esvaneceram-se. Com os militares, algo parecido: sua face pública resume-se ao Ministro da Defesa.

O centrão esforça-se para mostrar que Bolsonaro é um político como outro qualquer; a oposição maximalista que ele é um ditador-em-potência. E que mostrará sua face real no dia das eleições, no ato final; deflagrando o que nunca ocorrera em nenhum momento do mandato. Contra conspiração.

VELHA POLÍTICA – Mas o alerta de uma ameaça do ditador empalidece quando o presidente usa as armas da velha —aliás, velhíssima— política no afã de reeleger-se, ancorado em práticas escusas. Estas práticas e a inação do governo —na área orçamentária ambiental, educacional, cultura— é que constituem uma verdadeira ameaça. A ameaça da velha política.

E mais: a balbúrdia traz consequências, como mostrou trabalho recente sobre desconfiança pública em eleições contestadas na América Latina.

Hernández-Huerta e Cantú (2022) utilizam experimentos e pesquisas com 100 mil respondentes, para concluir que a contestação de perdedores quanto aos resultados reduz a confiança de eleitores sobre a integridade das eleições. Como ocorreu antes com a Grande Corrupção.


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