sexta-feira, 15 de julho de 2022

 

Veja o que se sabe sobre o médico preso por estupro no Rio de Janeiro

Giovanni Quintella Bezerra, de 31 anos, é investigado em seis casos; Polícia identificou 30 pacientes anestesiadas por ele

Médico anestesista Giovanni Quintella Bezerra, de 32 anos, foi preso no Rio de Janeiro depois que funcionários da unidade de saúde o filmaram estuprando uma paciente durante o próprio parto dela
Médico anestesista Giovanni Quintella Bezerra, de 32 anos, foi preso no Rio de Janeiro depois que funcionários da unidade de saúde o filmaram estuprando uma paciente durante o próprio parto delaDivulgação/Polícia Civil do Rio de Janeiro

Lucas Schroederda CNN*

em São Paulo

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prisão em flagrante do médico anestesista Giovanni Quintella Bezerra, de 31 anos, repercutiu nesta semana após ele ter sido filmado estuprando uma paciente durante cirurgia de parto no Hospital Estadual da Mulher Heloneida Studart, em São João do Meriti, na Baixada Fluminense (Rio de Janeiro).

Integrantes da equipe médica registraram o momento em que Bezerra passou o pênis no rosto da paciente enquanto ela estava sedada e deitada em uma maca. As imagens mostram ainda que o médico introduziu sua genitália na boca da parturiente no decorrer da cirurgia.

A Lei Federal 11.108/2005, conhecida como Lei do Acompanhante, garante às parturientes o direito à presença de acompanhante durante o trabalho de parto, o parto e o pós-parto imediato nos serviços de saúde do Sistema Único de Saúde (SUS), seja da rede própria ou conveniada.

A lei é válida tanto para parto normal quanto para cesariana, e a presença do acompanhante não pode ser impedida pelo hospital, médicos, enfermeiros ou qualquer outro membro da equipe de saúde.

CNN optou por não exibir as imagens do crime.

Veja o que se sabe até agora sobre o caso:

Polícia identificou cerca de 30 pacientes

Polícia Civil identificou cerca de 30 pessoas que foram anestesiadas por Giovanni Quintella Bezerra em diferentes unidades hospitalares. A investigação continua buscando a lista de todos os pacientes que foram atendidos pelo médico em procedimentos realizados de abril para cá, quando começou a atuar como anestesista, para tentar encontrar outro relatos de abuso.

“Nós precisamos investigar. Primeiro, fazer uma triagem, saber qual foi o tipo de procedimento, o que aconteceu. E aí vamos aprofundando”, explicou a delegada responsável pelo caso, Bárbara Lomba.

Até agora, a delegada acredita que seis mulheres tenham sido violentadas pelo anestesista. Entre elas, a que aparece no vídeo que flagrou a ação de Bezerra no último domingo (10). O médico é tratado pelos investigadores como um criminoso em série.

Dessas possíveis vítimas, três identificaram Giovanni Bezerra e duas são aguardadas para prestar depoimento nesta quinta-feira (14) na Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher de São João de Meriti. Ambas fizeram cesarianas no mesmo dia em que o vídeo foi gravado e também teriam sido sedadas após o nascimento do bebê, no momento em que começa a sutura, parte final da cirurgia.

“Isso já está confirmado, que houve sedação. E as informações que nós já tínhamos, da equipe de enfermagem, sobre as outras duas cirurgias. Os procedimentos foram parecidos”, afirmou a delegada.

Uso de anestesia durante o parto

Em geral, em cesarianas, o indicado é anestesia local, a não ser que haja motivo para sedação, como a mãe estar nervosa, agitada ou caso tenha acontecido alguma complicação no procedimento.

A opção por dopar as vítimas chamou a atenção da equipe de enfermagem, que decidiu esconder um telefone celular e gravar todo o parto da terceira gestante. “Com todas essas peças conciliadas, tudo indica que a sedação era feita para a prática do estupro”, concluiu Lomba.

A polícia espera, ainda, ouvir a vítima que aparece no flagrante e o marido dela até sexta-feira (15). Segundo os depoimentos já prestados, o pai da criança estava presente até o nascimento do bebê. O abuso aconteceu depois que ele saiu do centro cirúrgico com a criança.

Novos protocolos

O governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, disse que a Secretaria Estadual de Saúde estuda novos protocolos depois do caso de estupro.

“Era uma situação totalmente extraordinária. Aí tem que ver com o pessoal da medicina, o que pode ter câmera, o que não. Não adianta porque aconteceu isso a gente encher de câmera em tudo quanto é canto. Não é assim que funciona. Mas já está sendo estudada pela Secretaria de Saúde uma forma de protocolo, uma forma de capacitar melhor os profissionais”, disse o governador.

Sem detalhar quais seriam esses protocolos, Castro disse que o caso tem que servir de exemplo para que se consiga aprimorar a segurança nos hospitais. “É uma situação que choca a todos nós, choca a sociedade fluminense”, afirmou o governador, destacando que o caso do médico é isolado.

“Isso não é coisa de profissional. Isso é coisa de um monstro, que estava aqui e fez uma monstruosidade. Então a gente não pode, de maneira alguma, achar que isso é uma coisa da rede, que aconteça. Não: isso é um fato extraordinário, mas que tem que servir, sim, para que a gente possa combater esse e outros casos, outras formas de maus feitos”, disse.

Anestesista já era réu por erro médico

Antes do caso de estupro, Giovanni Quintella Bezerra, já era réu em um processo movido por uma paciente que o acusa de errar um diagnóstico.

Ela acusa Bezerra, outros dois médicos, um hospital particular em Duque de Caxias, cidade da Baixada Fluminense, e um plano de saúde de errarem um diagnóstico de H1N1, conhecida como gripe suína, em 2018.

No dia 6 de julho de 2018, ao receber uma paciente que, pelo segundo dia, relatava estar com falta de ar, vertigem, delírios, tosse com sangue e dores de cabeça, o médico afirmou que a mulher estava sofrendo com crise de ansiedade e sugeriu que ela procurasse um psicólogo.

A paciente alega ter relatado ao médico que já estava fazendo uso de medicação e tinha sintomas graves, porém, ressalta que o médico não a encaminhou para nenhum exame, nem mesmo um Raio-X.

Sem receber atendimento adequado também de um terceiro médico, a paciente foi internada naquele mês com grave pneumonia que, depois, constatou-se ser gripe suína. Foram 13 dias em coma. No período, uma trombose e complicações que a levaram a perder parte do movimento das pernas –hoje, a mulher precisa de um andador para se locomover. Ela também relata ter pedido seus dois empregos e precisou abandonar a faculdade que cursava quando ficou doente.

Bezerra foi intimado, mas não apresentou defesa no processo. O caso tramita na Justiça do Rio desde 2019 e a paciente é representada pelo escritório Garcia & Poell Advocacia e Consultoria Jurídica.

Ela alega ter sofrido dano moral, psicológico e estético pela negligência dos médicos, cobra indenização e pensão vitalícia, pois justifica estar impossibilitada de trabalhar. A CNN aguarda contato da defesa do médico.

Alta dose de sedativo pode ser prejudicial, diz especialista

A anestesiologista representante da Sociedade Brasileira de Anestesiologia (SBA) Ana Cristina Pinho disse à CNN que o médico preso por estupro durante uma cirurgia de parto no Rio de Janeiro aplicou uma dose maior do que a recomendada — e isso pode ter colocado a vida da paciente e do bebê em risco.

Segundo ela, a gestante, por características inerentes ao processo gestacional da fisiologia da gravidez, é considerada de estômago cheio, ou seja, tem um tempo de esvaziamento do órgão maior.

“Sedações mais profundas, sem proteção das vias aéreas, expõem a mãe ao risco de broncoaspiração do conteúdo do estômago. Por isso, sedação em obstetrícia, quando utilizada, é sinônimo de aplicação mínima”, avaliou.

Além disso, explicou Ana Cristina, a sedação antes da saída do bebê, além do aspecto humanitário de privar a mãe da primeira visão do filho, envolve também a segurança da criança.

“Todo o sedativo administrado para mãe passa para o bebê através da placenta, então, existe o risco do nascimento do bebê, como a gente chama, “deprimido”, com prejuízo da parte respiratória”, disse.

Ana Cristina avaliou ainda que, no aspecto da humanização do parto, a paciente tem direito a permanecer acordada.

“A orientação técnica é sempre uma sedação mínima, muito mais para controle de ansiedade do que sedação propriamente dita”, disse.

Giovanni Bezerra terá 15 dias para prestar informações ao Cremerj

O Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro (Cremerj) emitiu nesta quarta-feira (13) uma solicitação de esclarecimento destinada ao médico anestesista Giovanni Quintella Bezerra.

A medida faz parte de uma das etapas para o procedimento de sindicância, que é aberto em casos de denúncia. Com isso, o anestesista, que está com a prisão preventiva decretada pela Justiça, tem 15 dias para prestar as informações solicitadas. Atualmente, Bezerra está impedido de exercer a medicina no país, devido à suspensão provisória aprovada pelo conselho, publicada na terça-feira (12).

Segundo o órgão, a medida é um recurso para proteger a população e garantir a boa prática médica. Em paralelo, está sendo instaurado no Cremerj um processo ético profissional, cuja sanção máxima é a cassação definitiva do registro.

O presidente do Cremerj, Clóvis Munhoz, disse que “firmamos um compromisso com a sociedade de celeridade no que fosse possível e essa suspensão provisória é uma resposta. A situação é estarrecedora. Em mais de 40 anos de profissão, não vi nada parecido. E o nosso comprometimento não acaba aqui. Temos outras etapas pela frente e também vamos agir com a celeridade que o caso exige”, explicou Munhoz.

O anestesista está com a prisão preventiva decretada e está no presídio Bangu 8, destinado a presos que têm curso superior, à disposição da Justiça.

Na audiência de custódia, a juíza Rachel Assad indeferiu a liberdade provisória e converteu a prisão em flagrante em preventiva e chamou a atenção para a gravidade do ato praticado pelo médico.

“Tamanha era a ousadia e intenção do custodiado de satisfazer a lascívia, que praticava a conduta dentro de hospital, com a presença de toda a equipe médica, em meio a um procedimento cirúrgico. Portanto, sequer a presença de outros profissionais foi capaz de demover o preso da repugnante ação, que contou com a absoluta vulnerabilidade da vítima, condição sobre a qual o autor mantinha sob o seu exclusivo controle, já que ministrava sedativos em doses que assegurassem a absoluta incapacidade de resistir”, destacou a magistrada, na decisão.

*Com informações de Camille Couto, Isabelle Saleme, Rayane Rocha, Leandro Resende e Stéfano Salles, da CNN, no Rio de Janeiro

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