O Judiciário é o Poder Moderador | Por Luiz Holanda
Chamado a resolver os conflitos existentes na sociedade e entre os demais poderes, o Poder Judiciário vem atuando ativamente em quase todas as áreas, inclusive na legislativa, haja vista as inúmeras solicitações que lhes são feitas por representantes desse poder. Na maioria das vezes, sua atuação se assemelha a de um poder moderador.
Segundo o ministro do Supremo Tribunal Federa (STF), Dias Toffoli, esse poder, “inicialmente atribuído ao Imperador pela Constituição de 1824, teria passado tacitamente aos militares e, a partir da Constituição de 1988, ao Poder Judiciário – ou, mais especificamente, ao STF”. Historicamente, esse poder foi estabelecido pela Constituição do Império, que reconhecia a existência de quatro poderes: o Legislativo, o Executivo, o Judiciário e o Moderador. Segundo seu Art. 98, o Poder Moderador era a chave de toda a organização Política, e delegado, privativamente, ao Imperador como Chefe Supremo da Nação.
Tinha como finalidade a manutenção da Independência, equilíbrio e harmonia entre os demais poderes. Segundo o artigo 161, o monarca podia nomear senadores, convocar Assembleia Geral extraordinária, sancionar os decretos e resoluções da assembleia e aprovar ou suspender as resoluções dos Conselhos das Províncias, além de outras.
Com a queda do Império Napoleônico em 1815, as monarquias europeias precisaram harmonizar as tradições políticas conservadora e liberal então vigentes. Tratava-se da discussão de um novo pacto político. Pensadores como Benjamin Constant participaram desse debate, propondo uma nova função para os monarcas, justamente a que garantia o equilíbrio entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Essa garantia vinha do Poder Moderador (um poder neutro), capaz de zelar pela obediência das leis, “vigiar a Constituição” e “harmonizar” os outros poderes, segundo o disposto no artigo 98. Ora, “Vigiar a Constituição”, historicamente, é competência do Judiciário, ou , mais especificamente, do STF. Daí Toffoli dizer que o Poder Moderador, hoje, é o Supremo Tribunal Federal.
Realmente, o Poder Moderador se apresentava como guardião do “mais seguro meio de fazer efetivas as garantias que a Constituição oferece” (art. 98). Talvez por isso o ministro tenha dito que o STF é o Poder Moderador. Ninguém contesta que a CF/88 confere ao Supremo, em especial em sua faceta de Corte Constitucional, condições para velar pela independência e harmonia dos Poderes da República, seja anulando atos dos demais poderes contrários à Constituição, seja declarando a inconstitucionalidade de leis, quando provocado.
O Supremo vem assegurando que os demais poderes não desbordem de suas competências. O problema é saber se o Supremo pode ou não invadir as atribuições dos demais poderes para cumprir com suas obrigações constitucionais. Ao discorrer sobre o Poder Moderador em seu Ensaio sobre o Direito Administrativo, o Visconde do Uruguai diz que esse poder “não pode ser invasor, não pode usurpar. Pode embaraçar o movimento, não o pode, por si só, empreender e levar a efeito; o mais que pode efetuar é a conservação do que está, por algum tempo. É poder não de movimento, mas essencialmente conservador. (…). Assim, se a nação quer certo movimento, e o imperador, que a Constituição declara seu primeiro representante, não o quer, o movimento pode, não obstante, realizar-se um pouco mais lentamente, tirada toda a dúvida de que a nação o quer, por meio da renovação de seus representantes eletivos”.
Se “todo o poder emana do povo” (art. 1º, parágrafo único, da Constituição Federal) e se ao Supremo compete “precipuamente, a guarda da Constituição” (art. 102), seu primeiro dever é conservar a Carta Fundamental, isto é, defendê-la dos ataques que lhe forem desferidos. O ministro acerta quando afirma que o STF é o poder moderador, pois é o destinatário de um poder delegado pela nação. Não pode se afastar do que o povo definiu como bases de sua organização social e política.
Assim, o STF, atualmente, exerce alguma parcela do que um dia se chamou “Poder Moderador”. Dizer que o maior proveito que o STF pode prestar ao país seja atuar como um “Poder Moderado” é dizer o óbvio. Toffoli, pelo menos nessa afirmação, acertou.
*Luiz Holanda, advogado e professor universitário.
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