quarta-feira, 16 de julho de 2025

Sputnik

 

Conflito Irã-Israel: 'Ninguém acredita em paz, todo mundo está preparado para que tudo recomece'

Ali Khamenei, líder supremo do Irã, discursa em Teerã, em 21 de março de 2025 - Sputnik Brasil, 1920, 10.07.2025
Nos siga no
Especiais
Na noite de 13 de junho, Israel lançou uma operação contra o Irã, acusando-o de implementar um programa nuclear militar "secreto". O Irã rejeitou as denúncias, respondendo com seus próprios ataques.
Em entrevista ao Mundioka, podcast da Sputnik Brasil, Ali Ramos Abdul Hakam, analista político e roteirista do canal História Islâmica, ofereceu uma leitura contundente sobre os desdobramentos da guerra entre Israel e Irã. Para ele, o conflito foi marcado por uma "grande pirotecnia" promovida pelo primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, com o objetivo de se manter no poder. No entanto, a ofensiva acabou revelando mais fragilidades do que vitórias estratégicas para o governo israelense.
"O Irã segue com as mesmas capacidades misilísticas", afirmou Hakam, que considera que nenhum dos três objetivos centrais de Tel Aviv foi alcançado: nem o recuo do programa nuclear iraniano, nem a derrubada do governo, tampouco o colapso de sua estrutura militar. "Foi, assim, uma grande pirotecnia do Netanyahu para se manter no poder. Só que muito provavelmente ele não esperava uma resposta tão forte do Irã."
O analista destaca que o ataque iraniano ao território israelense rompeu um tabu histórico e colocou em xeque a reputação do sistema de defesa de Israel. Segundo Hakam, mesmo com apoio logístico dos EUA, o sistema de defesa antiaérea Cúpula de Ferro, o sistema militar Estilingue de Davi e os mísseis antibalísticos Hetz não conseguiram impedir que "mais de 40 alvos fossem atingidos dentro de Israel", uma destruição sem precedentes na história do país.
O diretor-geral da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), Rafael Grossi, visita uma subestação na região de Kiev, Ucrânia, em 4 de fevereiro de 2025 - Sputnik Brasil, 1920, 08.07.2025
Panorama internacional
Análise: ação dos EUA e de Israel contra o Irã deslegitima todo o regime de não proliferação nuclear
A guerra também escancarou o custo da dependência militar: "Israel gastou US$ 200 milhões [cerca de R$ 1,1 bilhão na cotação atual] por dia em mísseis", lembrou Hakam, citando dados do The Wall Street Journal. O custo total estimado do conflito ultrapassa os US$ 12 bilhões (cerca de R$ 65,5 bilhões na cotação atual). "Israel não só esgotou todas as suas defesas antiaéreas, como esgotou também as da OTAN."

Escalada contida (por enquanto)

Para Hakam, o cessar-fogo atual é apenas uma pausa técnica. A reconstrução das defesas e a rearticulação do apoio internacional são, segundo ele, os principais freios para um novo ataque israelense. Mas o analista alerta: "Assim que se reconstruir, creio eu que esse cessar-fogo vai pelos ares".

A pressão interna sobre Netanyahu também alimenta o risco de novas ofensivas. "O cálculo do Netanyahu não é racional. É messiânico, extremado. Assim que ele sair do poder, ele vai preso."

A entrevista também abordou o papel de atores regionais, como a Turquia e a Arábia Saudita. Hakam avaliou que Ancara mantém uma postura pragmática, operando em diversas frentes — apoiando o grupo palestino Hamas ao mesmo tempo em que comercializa petróleo com Israel. Já os sauditas, na visão do analista, tendem à neutralidade para preservar sua própria estabilidade interna e evitar retaliações dos EUA ou dos houthis.
Líder supremo do Irã declara vitória de Teerã sobre Israel após conflito - Sputnik Brasil, 1920, 26.06.2025
Panorama internacional
Líder supremo do Irã declara vitória de Teerã sobre Israel após conflito
Hakam considera que o chamado Eixo da Resistência está passando por um rearranjo, mas segue operante. Hezbollah, houthis e milícias aliadas continuam pressionando Israel e os interesses ocidentais na região. "Os houthis continuaram bombardeando Israel dia sim, dia também. E agora partiram para destruir navios europeus."
Embora ambos os lados tentem reivindicar vitórias simbólicas, o saldo militar e político aponta para uma derrota sem precedentes para Israel, na avaliação do especialista. "Talvez a maior desde a guerra de 2006 no Líbano", disse Hakam.

Um olhar de dentro

À Sputnik Brasil, o pesquisador iraniano Jawad Heidari, doutor em ciências e comunicação social, compartilhou sua experiência enquanto morador da cidade de Qom, que fica a apenas 30 quilômetros de um dos alvos militares atacados pelas forças israelenses.
Segundo Heidari, os dias que antecederam a ofensiva foram marcados por alarmes de segurança e rumores crescentes, mas a população não esperava um ataque de fato.
"Achávamos que era só ameaça", afirmou. No entanto, ao longo de três ou quatro madrugadas, aviões de guerra sobrevoaram a região, confirmando o início das operações. A ação não mirou apenas estruturas militares: "Mais de mil pessoas foram mortas, incluindo 100 crianças e quase 100 mulheres", denunciou o entrevistado.

Heidari enfatizou que o medo individual foi superado por um senso coletivo de pertencimento à história e à fé. "Um iraniano não tem medo de guerra. O que temos de civilização o inimigo não tem. Nossa religião diz que quem defende a própria terra é martirizado", explicou, relacionando resistência e espiritualidade. O legado do Império Persa, segundo ele, continua sendo um pilar moral para a população, ao lado dos preceitos do xiismo.

Ao ser questionado sobre a reação popular, relatou um movimento de solidariedade interna e uma inusitada união nacional: "Até quem criticava o governo passou a apoiar a república islâmica. O Estado manteve postos de gasolina abertos, suspendeu pedágios e abriu mesquitas para abrigar a população". Heidari, no entanto, admitiu que "todo governo tem falhas" e que o Irã enfrenta graves dificuldades econômicas.
O pesquisador também comentou a tentativa do governo israelense de separar o povo iraniano do governo. "Quando Netanyahu diz que não é contra o povo, por que bombardeou ambulâncias e hospitais?", indagou. Ele criticou o papel da mídia ocidental na cobertura da guerra, apontando a difusão de notícias falsas e a tentativa de isolar o Irã com o apoio de potências como EUA, França e Reino Unido. "A mídia dizia que o Irã começou. Mas quem atacou primeiro?"
Comandante militar iraniano, dado morto por Israel, participa de eventos em Teerã - Sputnik Brasil, 1920, 24.06.2025
Panorama internacional
Comandante militar iraniano, dado morto por Israel, participa de eventos em Teerã
Sobre a convivência religiosa no país, Heidari foi enfático: "Judeus vivem normalmente no Irã. São nossos irmãos. A diferença está entre religião e sionismo, que é uma ideologia perigosa".
Para ele, o cessar-fogo atual é apenas uma pausa estratégica: "Ninguém acredita em paz. Todo mundo está preparado para que tudo recomece". Ainda assim, termina com uma convicção: "O Irã só se defendeu. O inimigo achava que em 48 horas nos derrubaria. Mas resistimos. E isso é vitória".

Cooperação suspensa

No dia 2 de julho, o Irã suspendeu a cooperação com a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), apontando como motivo a atuação da organização no conflito do país com Israel e com os Estados Unidos.
Por trás da decisão está uma resolução da AIEA que afirmou não ser possível confirmar se o programa nuclear iraniano tem fins exclusivamente pacíficos. O documento abriu margem para que o tema fosse levado ao Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), como é previsto no estatuto da agência.
A resolução foi aprovada em 12 de junho, um dia antes do ataque israelense que iniciou a crise entre os países. Para Teerã, é evidente que a AIEA escolheu um lado no conflito e tem responsabilidade nos ataques ao território iraniano.
A preocupação com a politização da agência foi explicitada também pelo chanceler da Rússia, Sergei Lavrov, que afirmou em coletiva de imprensa durante a Cúpula do BRICS que a liderança da AIEA, com seu diretor-geral, Rafael Grossi, deve ser responsabilizada pelo documento.

Nenhum comentário:

Postar um comentário