sexta-feira, 16 de junho de 2023

 

Até que ponto Lula deve ser pragmático, se tudo parece estar à venda no Congresso?

Lula e Lira se encontram pela 1ª vez, em Brasília

Lula vai às compras, mas precisa aprender que há limites

Hélio Schwartsman
Folha

Apesar de a ministra do Turismo, Daniela Carneiro, ter ganhado uma sobrevida, tudo indica que o presidente Lula acabará atendendo aos apelos do centrão e a trocará por Celso Sabino. Se é lícito imprimir alguma picância à descrição, Lula substituiria uma aliada de primeira hora e que tem entrada no público evangélico por um bolsonarista.

Há também uma boa chance de a Embratur, hoje presidida por Marcelo Freixo, figura icônica da esquerda, ser cedida ao grupo de Arthur Lira.

PRAGMATISMO TOTAL? – Sabe-se que a ingratidão é um dever do político, mas, mesmo assim, acho que vale perguntar até onde deve ir o pragmatismo de um governante. Como bom consequencialista, não me oponho às negociações, compromissos e até a algum toma lá dá cá.

Se todo mundo for lutar até o fim pelo que acha que é certo, o resultado seria a guerra civil. A democracia funciona porque põe os principais atores políticos para conversar, aplainando as arestas e reforçando os pontos comuns.

Ocorre que, também por razões consequencialistas, dirigentes e partidos precisam zelar por uma identidade reconhecível. Se passam a ideia de que tudo está à venda, desmoralizam a si mesmos e à própria atividade política.

DOIS EXEMPLOS – Foi o que aconteceu com o outrora combativo MDB, que enfrentara a ditadura. O próprio PT experimentou um pouco disso após ver-se envolvido em escândalos de corrupção. O consequencialismo não pode olhar só para os efeitos imediatos; precisa avaliar também as implicações mais difusas das escolhas.

O melhor modo de enfrentar a situação, creio, é reabrir negociações com o centrão, mas preservando esferas de influência que possibilitarão ao governo conservar uma feição discernível. Minha sugestão é que a pauta ambiental e de direitos humanos esteja entre as prioridades. Embora haja resistência no centrão a essa agenda, ela tem a vantagem de agregar apoio internacional e de setores que vão além do PT e da esquerda em geral.

Ninguém briga para participar de governo fraco, e Lula não demite ministro sob pressão

Ministra do Turismo é campeã de voto e teve ascensão meteórica

Daniela do Waguinho balança, balança, mas não cai…

Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense

O título, tomei emprestado do Ilimar Franco, escolado repórter de política, a propósito da briga do União Brasil pelo cargo da ministra do Turismo, Daniela Carneiro, cuja permanência no ministério subiu no telhado da Câmara.

Lembrei-me de uma tese do jurista italiano Norberto Bobbio, ponto de referência para análises de conjuntura política. Todo governo, mesmo o pior, é a forma mais concentrada de poder. Quando nada funciona, as tarefas essenciais do Estado são mantidas: arrecadar, normatizar e coagir. Somente quando perde a capacidade de se manter financeiramente e garantir a ordem pública vira desgoverno.

AVALIAÇÃO INICIAL – É muito cedo para conclusões definitivas, mas Lula não faz um mau governo, no sentido de que perdera o foco no bem comum, independentemente da areia movediça que é obrigado a atravessar ao se relacionar com um Congresso conservador, capaz, inclusive, de tomar decisões reacionárias.

Lula vem mantendo a iniciativa política, ainda que algumas delas sejam muito polêmicas, como a obsessão de negociar a paz na guerra da Ucrânia ou a decisão de turbinar a indústria automobilística com incentivos para carros populares movidos a carbono.

Na semana passada, a pesquisa Ipec mostrou um governo com 53% de aprovação, o que se reflete na relação com os partidos do Centrão. A repercussão maior ainda está por vir, com a aproximação entre Lula e o presidente da Câmara, Arthur Lira, que fizeram um pacto para aprovação da reforma tributária o quanto antes.

GRANDE PRIORIDADE – A reforma é a prioridade do país, pois avalia-se que possa ter um impacto de até 10% no PIB brasileiro, o que é uma expectativa muito otimista. Se for a metade disso, já será um sucesso absoluto, porque viabilizará com folga o novo arcabouço fiscal, cujo ponto fraco é a projeção de arrecadação com os parâmetros atuais.

Exemplificando a tese do Bobbio: o governo Temer foi um governo fraco, mas aprovou praticamente tudo o que quis no Congresso, recuperou o controle das finanças públicas e jogou a inflação para baixo. Seu calcanhar de Aquiles foi a segurança pública, principalmente a crise nos presídios (Maranhão, Amazonas e Roraima) e a greve dos policiais militares no Espírito Santo.

Para enfrentar a questão, Temer criou um ministério e escalou para o cargo o seu então ministro da Defesa, Raul Jungmann. A firmeza do então governador Paulo Hartung e a atuação do ministro foram fundamentais para domar a greve, além da presença do Exército, por meio de uma operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO).

OVO DE SERPENTE – Entretanto, o episódio foi uma espécie de ovo da serpente do que viria depois: um pacto entre setores militares e policiais para eleger Jair Bolsonaro e apoiar seu projeto saudosista de regime autoritário.

A segurança pública continua sendo um grave problema, agora no colo do ministro da Justiça, Flávio Dino (PSB). Sortudo, herdou do governo Temer a criação de sistema unificado de segurança pública, de gestão tripartite (União, estados e municípios), com R$ 4 bilhões em caixa, que não foram gastos durante o governo Bolsonaro, para investir na sua implantação.

O ministro vem sendo testado desde o 8 de janeiro, porém, a questão da segurança pública é seu grande desafio: continua como dantes no quartel de Abranches.

DANIELA DO WAGUINHO – É aí que a presença no governo da ministra Daniela Carneiro, cuja cabeça está sendo pedida pelo União Brasil, é uma grande contradição.  Waguinho Carneiro (Republicanos), prefeito de Belford Roxo (RJ), é marido e cabo eleitoral de Daniela. Teve um papel importante na eleição do presidente Lula, dividindo votos numa área que havia sido ocupada por Bolsonaro. É acusado de ter o apoio das milícias da Baixada Fluminense, violentíssimas.

O prefeito já acusou o golpe e cobrou solidariedade de Lula: “A ministra Daniela é de um estado importante, o Rio de Janeiro, território totalmente bolsonarista, onde nós levamos a campanha do presidente Lula em toda a Baixada Fluminense, no interior, no Noroeste. Encorajamos muitas pessoas e pagamos um preço muito caro por isso”, disse Waguinho, ao acusar o União Brasil de golpe por tentar tirar Daniela do ministério e pôr no seu lugar o deputado Celso Sabino (BA), que apoiou Bolsonaro.

O PT fluminense defende a aliança com Waguinho. Lula não gosta de mexer em ministro sob pressão política. Mas terá que abrir mais espaço para os deputados do Centrão, para manter a governabilidade, é só uma questão de tempo.

Indefinição sobre candidatura de Lula à reeleição atrapalha o governo, diz Lira

TRIBUNA DA INTERNET | Lira reage à pressão e envia ao Conselho de Ética 22  representações contra deputados

Charge do Miguel Paiva (Brasil 247)

Ricardo Della Coletta e Fábio Pupo
Folha

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), afirma que o fato de o presidente Lula (PT) não deixar claro se será ou não candidato à reeleição em 2026 atrapalha o governo. “O fato de o presidente Lula não ter explicitado até hoje se é candidato à reeleição ou não gera, do meu ponto de vista, muitos pré-candidatos dentro do próprio PT. Isso não ajuda na administração do governo. Porque há uma aparente dificuldade de relacionamento de A, B, C, D ou E”, declarou o deputado federal em entrevista à GloboNews.

Apesar de aliados pressionarem o Planalto pela ampliação de espaços do centrão, incluindo no Ministério da Saúde, o presidente da Câmara negou que tenha tratado com Lula sobre uma possível substituição da ministra Nísia Trindade.

CONVERSAS CLARAS – Disse que as conversas com o atual chefe do Executivo sempre foram “institucionais, claras e límpidas”, e que nunca tratou de cargos em primeiro escalão.

“Eu gosto da ministra Nísia, tive por ela sempre o maior carinho. A defendi no governo passado para que ela assumisse a Fiocruz, numa eleição que teve no Rio de Janeiro, quando teve muita dificuldade —ela é testemunha disso. Não ansiamos nem disputamos nenhum ministério.”

Lira reeditou críticas à articulação política do governo e disse que a montagem da base de apoio por Lula no início da sua gestão não teve o rendimento esperado pelo Planalto.

CONSERVADORISMO – Repetiu que, embora o país tenha eleito um governo “progressista e de esquerda”, o Congresso Nacional que saiu das urnas é “conservador e liberal”, e ressaltou a legitimidade nas demandas de parlamentares pela ocupação de cargos e pela liberação de emendas.

Por outro lado, elogiou o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), a quem se referiu como alguém que conduz conversas francas e que negocia os textos de projetos que serão analisados pelo Parlamento. “O que o Haddad faz? Haddad conversa, negocia texto e é franco nas conversas. Isso é articulação política”, disse Lira.

Na mesma entrevista, o presidente da Câmara contou que, numa recente reunião com Lula, sugeriu a substituição de Rui Costa (PT), atual ministro-chefe da Casa Civil, por Haddad. Segundo Lira, a possibilidade foi descartada pelo presidente da República.

LULA NÃO ACEITOU – “Eu tive um café da manhã há uma semana com o presidente Lula. No meio da conversa eu fiz a ele uma pergunta: ‘o sr. pensa em ter a possibilidade de o ministro Haddad ir para a Casa Civil e o [Gabriel] Galípolo ficar na Fazenda?”, disse Lira.

“O presidente Lula de imediato disse não. Haddad fica na Fazenda e o Galípolo [que é secretário-executivo da Fazenda] vai para o Banco Central. A partir daí a conversa sobre ministérios cessou.”

Para além de Rui Costa, o ministro-chefe da Secretaria de Relações Institucionais, Alexandre Padilha (PT) também está no leque de críticas de deputados ligados a Lira e ao centrão envolvendo a relação com o Planalto. Já Gabriel Galípolo foi indicado pelo governo para uma diretoria do BC e deve ser sabatinado ainda neste mês pelo Senado, que vai decidir sobre a aprovação do nome para a autarquia.

INSATISFAÇÃO – Lira tem sido o principal crítico da articulação política de Lula. No final de maio, horas antes da votação pela Câmara da Medida Provisória que reestruturou a Esplanada dos Ministérios, o deputado citou uma “insatisfação generalizada” na Casa.

“O problema não é da Câmara, não é do Congresso. O problema está no governo, na falta ou na ausência de articulação”, disse Lira na ocasião. “Há uma insatisfação generalizada dos deputados e talvez dos senadores com a falta de articulação política do governo, não de um ou outro ministro”.

Lira ainda afirmou não se sentir afetado pela operação da Polícia Federal em uma investigação sobre desvios em contratos para a compra de kits de robótica com dinheiro do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), que atingiu pessoas ligadas a ele. Questionado se achava que a operação tem por objetivo atingi-lo, Lira respondeu: “Não acho não. Se eu achasse, as coisas já não estavam como estão.”

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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG
 – Em tradução simultânea, o semipresidencialismo já está em fase de experiência, com Lira no papel de primeiro-ministro enrustido. Mas a possibilidade de dar certo é remota, a meu ver. Porém, posso estar errado. (C.N.)

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