Já houve eleição em que Bolsonaro defendeu que a votação fosse informatizada pelo TSE
Daniel Salomão Roque
BBC Brasil
“Esse Congresso está mais do que podre”, gritou o então deputado federal Jair Bolsonaro no dia 20 de agosto de 1993. “Estamos votando uma lei eleitoral que não muda nada. Não querem informatizar as apurações. Sabe o que vai acontecer? Os militares terão 30 mil votos, e só serão computados 3.000”.
Bolsonaro, então filiado ao PPR (Partido Progressista Reformador) de Paulo Maluf, discursava para coronéis e generais da reserva na sede do Clube Militar do Rio de Janeiro em um evento para discutir a “salvação do Brasil”. Fazia uma defesa da nascente urna eletrônica como um antídoto contra fraudes que ocorriam no voto impresso.
SOB SIGILO – A maior parte da reunião, segundo o Jornal do Brasil da época, ocorreu sob sigilo, com os participantes divididos em seus planos para a retomada do poder. Uns defendiam o lançamento de candidaturas para as eleições de 1994. Outros, como Bolsonaro, sustentavam que a via democrática era um “sistema viciado”.
“Independente das pequenas divergências, nós já somos uma força política, e estamos crescendo”, disse o general Euclydes Figueiredo (1919-2009), irmão de João Figueiredo (1918-1999), último presidente da ditadura militar brasileira.
“Não queremos o golpe, mas eles nos temem”, afirmou no evento do Clube Militar.
DISSE BOLSONARO – No final daquele ano, Bolsonaro enumeraria as providências que julgava necessárias para garantir a lisura do processo eleitoral — entre elas, a proibição do voto dos analfabetos, a exigência de segundo grau (o antigo ensino médio) para os candidatos e a informatização das eleições.
“Só com essas medidas conseguiríamos evitar os votos comprados”, disse.
Quase 30 anos depois, suas declarações contrastam com uma das principais plataformas do atual presidente da República: lançar desconfiança sobre a lisura da urna eletrônica.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Muito interessante a matéria enviada por Antonio Fallavena. Mostra que na vida tudo muda e as pessoas também podem mudar. Bolsonaro também deveria pensar assim. Parece ser hora de aceitar as urnas eletrônicas. Atacá-las não está rendendo votos. É preciso mudar a estratégia. (C.N.)
A corrupção não consta em manifesto pela democracia, porque aqui ela é “democrática”
Felipe Moura Brasil
Estadão
Defino “sistema” como o conjunto de lideranças apodrecidas das instituições e das elites econômicas que fazem escambos entre si para manter ou aumentar seus poderes, privilégios e blindagens, em detrimento da moralidade e do interesse públicos.
A Carta às Brasileiras e aos Brasileiros em Defesa do Estado Democrático de Direito!, divulgada em 26 de julho de 2022, busca proteger o regime em que “temos os Poderes da República, o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, todos independentes, autônomos e com o compromisso de respeitar e zelar pela observância do pacto maior, a Constituição Federal” de 1988, onde estão previstas “eleições livres e periódicas”, “cabendo a decisão final à soberania popular”.
VIÉS DEMOCRÁTICO – Assim entendida, a “democracia” é perfeitamente compatível com o sistema, uma vez que o respeito e o zelo pelas regras constitucionais são matérias de interpretação da cúpula circunstancial dos Poderes, que não deveria, mas pode, conforme a conveniência, afetar retoricamente o referido compromisso sem cumpri-lo na prática.
Manifestar-se pontualmente em defesa da separação de Poderes e do processo eleitoral contra as ameaças ostensivas de golpe de Estado feitas por um presidente reacionário, aloprado e apavorado com o risco de derrota iminente nas urnas, é mais fácil, e menos arriscado em termos de retaliação, que defender diariamente o País contra um conjunto de líderes poderosos e maliciosos que corroem o regime democrático por dentro e sem alarde, por exemplo desviando, permitindo desviar e mantendo impune quem desvia dinheiro do povo para campanhas e enriquecimento pessoal, em detrimento da oferta e da qualidade de serviços públicos, bem como da lealdade na concorrência de mercado.
CORTINA DE FUMAÇA – Jair Bolsonaro é a cortina de fumaça ideal do sistema que ele próprio ajudou a fortalecer, como apontei em artigo de 10 de agosto de 2021, porque não só deu ao conjunto de lideranças apodrecidas das instituições e das elites econômicas uma causa nobre pela qual vale a pena sair em defesa junto à sociedade civil, como também desmobilizou a parte dela que defendia o combate à corrupção literalmente sistêmica.
A corrupção não consta na carta pela democracia, porque no Brasil ela é democrática.
A esquerda demagoga, a direita reacionária e o centro fisiológico, com empresários cúmplices e afilhados no Poder Judiciário condescendentes, roubaram e tendem a continuar roubando juntos. Ou separados. Em estatais. Em ministérios. Em gabinetes. É o País dos ‘corruptos democratas’.
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