E agora, senhores ministros | Por Luiz Holanda
Depois que o Exército resolveu entrar no jogo politico do presidente Bolsonaro, a pergunta é sobre o que acontecerá se o STF decidir contrariamente ao indulto por ele concedido ao deputado Daniel Silveira. Outro fator da crise é sobre a segurança das urnas eletrônicas, resultado dos ataques do presidente contra o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), agora sob a vigilância dos militares depois que o general Heber Garcia Portella passou a integrar a Comissão de Transparência do órgão eleitoral.
O general Héber, que é comandante de Defesa Cibernética do Exército Brasileiro, contratou uma empresa paramilitar israelense de cybersegurança, a CySource, para assessorá-lo no TSE. Depois disso, o comportamento dos militares tem sido no sentido de cobrar urgentes medidas para prever e divulgar, antecipadamente, “as consequências para o processo eleitoral, caso seja identificada alguma irregularidade”.
A expressão utilizada pelo general demonstra que, apesar dos ataques, não há nada de concreto contra o sistema de apuração, principalmente em relação ao resultado dos pleitos. Enquanto o TSE afirma que não se intimidará com as pressões do presidente e de alguns dos seus auxiliares, o STF vive um dilema para decidir sobre o indulto presidencial dado ao deputado Daniel Silveira.
Para prever os possíveis desdobramentos do caso, é preciso conferir o que diz a lei sobre perda de mandato de deputado, bem como a quem cabe decretá-la. Segundo nossa Carta Magna, em seu artigo 55, a perda do mandato, para os casos nela previstos, será decidida pela Câmara ou pelo Senado, por maioria absoluta de votos, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa.
Uma das previsões para cassação é a condenação criminal, desde que esgotadas as possibilidades de recursos. E qual é a controvérsia? Boa parte dos integrantes do Supremo avalia que compete ao Legislativo autorizar a cassação em caso de condenação pela corte, segundo casos julgados recentemente pelo próprio tribunal. Outra vertente entende que a perda do mandato é automática, cabendo à Câmara ou ao Senado apenas cumpri-la. O presidente da Câmara, Arthur Lira, usando uma ação que foi apresentada pelo seu antecessor, deputado Rodrigo Mais, recorreu à corte para que se estabeleça que é do Congresso a última palavra sobre a cassação de um mandato parlamentar.
O tema está sob a relatoria do ministro Luís Roberto Barroso, que ainda não fez nenhum despacho quanto ao recurso de Lira, e enfrenta divisão entre ministros. Em reunião com o presidente da Corte, Luiz Fux, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, reforçou a tese de que cassação de mandato é atribuição do Parlamento. Assim, a questão agora é saber se o deputado é inelegível ou não, e quem decretará a cassação do seu mandato. Para o Palácio do Planalto, a graça concedida a Silveira é ampla, zerando não apenas a pena privativa de liberdade (8 anos e 9 meses de prisão) mas também outras punições que lhe foram impostas, incluindo a perda de seus direitos políticos. Em outras palavras, com o indulto, Silveira pode se candidatar a tudo, inclusive a senador pelo Rio de Janeiro, que é o que ele deseja.
Ainda não há precedentes sobre o alcance do indulto, nem sobre os efeitos das penas decorrentes da condenação, se são ou não perdoadas pela concessão. Para a Procuradoria-Geral da República (PGR), “O Poder Judiciário não precisa de licença para executar sua função de julgar e de aplicar penas”, segundo afirmou em 2019. Até agora a manifestação do presidente Bolsonaro foi no sentido de que o indulto é constitucional e que será cumprido.
No parecer mais recente sobre o caso, feito nos autos da ação penal em que Silveira foi condenado, a vice-procuradora-geral da República, Lindôra Araújo, afirmou que opinará sobre o indulto no âmbito das ações que questionam o perdão. Os partidos adversários defendem a suspensão imediata do decreto, mas isso dependerá da ministra Rosa Weber, relatora do caso.
Depois de cumpridas as providências solicitadas pela ministra, as ações serão enviadas à Advocacia-Geral da União e à PGR, para que opinem sobre o assunto, no prazo de cinco dias. Em seguida, a resposta será dada pelo plenário da Corte, pois a relatora adotou rito processual para levar a controvérsia diretamente ao plenário, sem a adoção de decisões liminares.
O Supremo vai avaliar o alcance do indulto, levando em conta que o chefe do Executivo tem amplos poderes para decidir sobre a conveniência, oportunidade e requisitos do decreto promulgado, bem como a prerrogativa de conceder o benefício. Há uma tese segundo a qual o ato de Bolsonaro tem repercussão limitada, valendo apenas sobre a pena de privação de liberdade, sem interferir na cassação do mandato ou na perda de direitos políticos. A inelegibilidade é assunto que compete ao TSE, que avalia se o postulante a cargo eletivo se enquadra nas restrições previstas na legislação.
Seja como for, o caso é inédito. Qualquer decisão fora da lei criará uma crise sem precedentes. Segundo o vice-líder do PSD, Fábio Trad, “Ao indultar individualmente quem afrontou criminosamente o Estado democrático de Direito, Bolsonaro revela sua concordância com o conteúdo de tudo o que foi afirmado criminosamente pelo parlamentar contra o STF e a democracia, incluindo as ameaças físicas contra integrantes de um dos poderes constituídos. Além disso, Bolsonaro mostra que está disposto a desestabilizar o país para proteger os seus aliados políticos”, Daí a prudência para não abalar a democracia.
*Luiz Holanda, advogado e professor universitário.
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